quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O Sal da terra*

Sei o que Jesus quis dizer com a frase: – Vós sois o sal da terra. Não falo do Jesus da religião. Em assuntos de religião não existe debate. A fé é indiscutível. Refiro-me ao Jesus filósofo e, em filosofia, tudo se discute.

O sal da terra.

Somos nós. As pessoas. Nós é que somos importantes, dizia o filósofo Jesus, o resto é secundário.

O jornalismo, por exemplo. O jornalismo tem a pretensão de abranger e abordar todas as atividades humanas contemporâneas. Divide a vida em seções, chama-as de editorias (Economia, Política, Esporte, Polícia etc.) e tenta contar o que acontece nessas áreas todos os dias.
Consegue.

Um jornal moderno é um resumo quase exato e quase preciso da vida moderna. O jornal trata de tudo, menos do mais importante. Na verdade, o jornalismo não trata de nada do que é realmente importante.

Há várias maneiras de descobrir o que é realmente importante. Duas radicais são:
1. Apaixonar-se.
2. Entrar em depressão.

Pessoas deprimidas ou apaixonadas compreendem à perfeição que o mais importante da vida não é o dinheiro, as eleições ou o jogo de domingo. Essas pessoas compreendem que o mais importante são as outras pessoas.
Mas tanto a paixão quanto a depressão são estados doentios da alma. Melhor compreender o que é realmente importante observando as pessoas mais sábias.
Que são as mães.

Cazuza cantava que só as mães são felizes. Perfeito. Mas não as festejadas mães que se orgulham de partilhar o tempo entre os filhos e a carreira profissional, as mães de suplemento feminino. Estas não são felizes. Falo das antigas mães, para quem a “carreira” não era importante.
Porque “carreira” não é importante.

Aquelas mães de pé de forno, de cheiro quente de bolo, aquelas mães de avental riam-se à sorrelfa dos homens e suas preocupações menores, como quem vai ser o próximo presidente da República. Sabiam, aquelas mães, que, como escreveu Caetano Veloso, a coisa mais certa de todas as coisas não vale um caminho sob o sol, e que nada, nada!, do que está no jornal vale mais do que uma noite de gargalhadas com bons amigos.

Por isso, quando a política é feita com insultos, como ora ocorre no Rio Grande do Sul, quando se discutem reputações, em vez de ideias, como ora ocorre no Rio Grande do Sul, quando, enfim, as pessoas são agredidas em qualquer âmbito e por qualquer motivo, a Humanidade fica menor. Porque a política e as ideias importam, mas nem tanto. O que importa são as pessoas.
As pessoas.

O sal da terra.


*Texto de David Coimbra

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Quando os chatos somos nós *

Você conhece um chato. Ou dois. Ou meia-dúzia. E até gosta deles, viraram figuras folclóricas na sua vida. Talvez seja um cunhado, um amigo de um amigo, um colega de trabalho. Os chatos são bem intencionados, não se pode negar. E é justamente essa boa intenção fora da medida que faz deles... chatos. O chato nada mais é que um exagerado. Ele é prestativo demais, ele é piadista demais, ele leva muito tempo para contar algo que lhe aconteceu, ele fica hooooras no telefone, ele se leva a sério além do razoável, ele ocupa o tempo dos outros com histórias que não são interessantes. O chato é, basicamente, um cara (ou uma mulher) sem timing.

Estava pensando nisso quando escutei alguém citando uma das coisas mais chatas que existe. Tive que concordar: colocar um filho pequeno no telefone pra falar com a dinda, com a vovó, com o titio, é muito chato. A gente ama aquela criança - talvez seja até o nosso filho! - mas ao telefone, esquece. Tentamos entabular um diálogo minimamente inteligível e nada rola. Ou ele não fala nada que se compreenda, ou não abre o bico, e só nos resta ficar idiotizados do outro lado da linha.

Todo mundo sabe que isso é chato. Mas todo mundo que já teve um filho comete essa mesma chatice com os outros. Por que? Porque pai e mãe de primeira viagem são chatos por natureza. Ninguém escapa. Se não for chato, será considerado um sem-coração. Todos irão apontar: olha lá, aquele ali esconde o filho. Põe ele no telefone!

Outra chatice é mostrar 3.487 fotos do bebê. Dá nos nervos quando o filho não é nosso. Todos os bebês são iguais, menos para seus pais. Seja bem sincero: dá pra aguentar ver foto de bebê pelo celular? Basta perguntar educadamente pra alguém: e seu filhinho, vai bem? Pronto. Num segundo o celular ou iPhone será sacado e apontado direto para seus olhos: veja você mesmo.

A gente sabe que é chato, mas toleramos com sorrisos parcialmente sinceros porque faremos a mesma coisa quando chegar a nossa vez - ou já fizemos um dia. Se você passou dessa fase, segure a onda e compreenda os que ainda não passaram. Nada de reclamar. Aqui se faz, aqui se paga.

Outras chatices? Quando alguém pergunta: lembra de mim? Se está perguntando, é porque a chance é remota. Mas já não fizemos isso diante de alguém que gostaríamos muuuuito que lembrasse? E esticar as letras das palavras quando se está escrevendo? E quando a gente começa uma frase com "adivinha". Adivinha pra onde eu vou nas próximas férias. Adivinha quem me convidou pra jantar. Adivinha com quem eu sonhei hoje.

Falando em sonho, tem coisa mais chata do que ouvir o sonho dos outros? Mas você já contou os seus. Váááárias vezes.

Agora adivinha qual o próximo exemplo que vou dar (rsrs). Precisamos mesmo colocar risadas entre parênteses para que os outros entendam nossas piadinhas cretinas?

Alguns menos, outros mais, chatos somos todos.


*Texto de Martha Medeiros, publicado no ZH

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O tempo

Cada vez tenho mais certeza de que o tempo é relativo.
Passo a manhã toda na frente da tela de um computador, as vezes sem ter o que fazer, mas quando me perguntam o porque de não atualizar o blog constatemente, saio com a tradicional desculpa do tempo..

Vivo reclamando que não consigo dormir direito, que me falta tempo, mas quando realmente tenho tempo pra dormir, não durmo.
Reclamo que não tenho tempo pra estudar, mas nas tardes de ócio, me ocupo sempre com outros coisas.

Então como dizer que o tempo não é relativo? 1 minuto estudando equivale a 60 minutos no msn. Uma aula de sociologia equivale a três dias de descanso mental.

Que me desculpem os que gostam de sociologia, mas peguei um nojo dessa disciplina. Quer me deixar irritado? Então pergunta algo sobre o tal do Durkheim. Ou pode comentar as opiniões de Weber, de Marx.
Pronto! A amizade já corre perigo. Nada ultimamente tem me estressado tanto quanto esses três ilustres. Sei da contribuição que eles deram para o estudo da sociedade, mas ainda não vejo fundamento nos trabalhos (e bota trabalho nisso) que semanalmente são pedidos.

E vou ficando por aqui. O parágrafo anterior já me deixou estressado...

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

É o Brasil...

Aconteceu de novo.

Robin Willians faz uma piada no David Letterman, menciona stripers e cocaína e a patuléia bronzeada e hidrófoba mostra o seu valor e seus dentes patrulheiros sempre muito bem afiados..
Acho que nada de novo foi dito. E mesmo assim, era uma PIADA! Nem mais, nem menos.Somente uma PIADA.

O prefeito do Rio disse que era dor de corno. Milhares devem estar espumando de raiva pedindo a cabeça do comediante numa bandeja, objeto muito usado nas festas dos bacanas para distribuir o pó de maneira bastante democrática. Quem não nasceu agora ou passou as últimas décadas em Marte sabe disso.

A PIADA foi comentada em sites, portais, twitter, o diabo, mas a verdade inconveniente é essa: O Rio é conhecido como abrigo de bandidos internacionais de todos os quilates, paraíso do sexo pago, terra do pó e celeiro de governantes e legisladores corruptos e ligados ao crime organizado.
Que tal mudar essa imagem com atitudes verdadeiramente eficazes? Ai sim, com a prostituição, muitas vezes de menores, o tráfico e a corrupção desenfreada seriamente combatidos, talvez sobre espaço para tanta indignação.
E mesmo assim, foi apenas uma PIADA!

Vivemos reclamando pelos cantos das coisas absurdas que os noticiários nos apresentam todos os dias. Os escândalos se sucedem em velocidade vertiginosa. Em breve algo mais cabeludo que a trapalhada o governador Arruda vai tomar o lugar nas manchetes nacionais.
Continuaremos reclamando como aposentados num banco de praça e nas próximas eleições os mesmos canalhas de antes estarão ocupando as assembléias municipais, estaduais e o congresso nacional como se nada houvesse acontecido.

Ficar indignado com a PIADA de Robin Willians é hipocrisia elevada à décima potencia.
Os que ficaram tão mordidos com a PIADA do comediante norte americano devem ser do mesmo calibre dos cretinos que saíram atrás da guria da UNIBAN aos gritos de PUTA. E isso, não foi uma piada. Foi fascismo puro, sem nenhum aditivo.
Enquanto a imagem do Rio no exterior for essa, as PIADAS vão acontecer.
Ou se muda os fatos, o comportamento, ou fiquem calados e agüentem o tranco.
E não esqueçam, por mais cruel que tenha sido, foi apenas uma PIADA!


*texto do blogdopaulocarvalho.blogspot.com