sábado, 17 de julho de 2010

Receitas literárias

Creio Deus pai que nos livros está a salvação de nossos dias. Creio que Shakespeare já escreveu tudo sobre o poder e as verdades e mentiras humanas por todos os séculos até o fim, amém. Creio que os gênios ou escreveram livros ou são artistas ou são cientistas. Creio na força da cultura, na santa igreja da arte, na comunhão dos homens de bem, na vida eterna do humanismo, na ressurreição das ideias atemporais, na eternidade da leitura como caminho para um grande final. Amém.

Era tão fácil vivermos vaidosos e insolentes até aqueles dias que recebemos um pontapé atrás do outro. Vivíamos criados a margem de Deus e iguais na sua imagem e semelhança. Aí veio Leonardo da Vinci e pintou a "Mona Lisa", O Van Gogh distorceu as imagens, todas as certezas viraram-se de ponta cabeça depois de Marx, Darwin e Einstein. Nossa desorientação chegou ao máximo. Tontos, mas ainda não recebemos a misericórdia até chegar o golpe fatal. Apareceu o tal de Freud. Não se consegue imaginar como não sabiam que existia e existe os recalques, a identidade, os complexos, os que projetam, os inconscientes. Eles sempre existiram seja nos livros do Shakespeare, seja naqueles do Érico Veríssimo, seja nos de Cervantes. O exemplo vivo são os líderes políticos, estes são um manancial e fonte inesgotável para estudos. Somos todos, um compêndio psiquiátrico.

Os livros são a melhor medicação para todos os males do mundo. Contra fel, moléstia, crime e para todos que querem cursar as artes jurídicas, leiam "Crime e castigo", do Dostoiévski. Contra desespero, perda de emprego, falência, abandono da mulher, leiam "Robinson Crusoé" e saberão que a saída está no nosso dia-a-dia possuir um trabalho metódico que nos faça esquecer da solidão.

Para aqueles que estiverem totalmente decepcionados com a política e não suportarem ligar a TV ou abrir o jornal, leiam "Viagens de Gulliver", não a edição infanto-juvenil, e saberão que o nojo e a raiva poderão ser substituídos por uma imensa risada. Contra aqueles que acreditam estar numa grande cruzada em busca da igualdade e da verdade salvadora, misturada com fantasia de termos certeza sobre tudo, a receita é tiro certo: leiam "Dom Quixote".

Para as mulheres que detestam a vida banal que levam e serem casadas com maridos tediosos, a receita não é gastar o cartão de crédito e saibam que todo amante também ficará um tédio. O tédio se vence com um bom romance e a receita é o livro "Madame Bovary do Flaubert". As mulheres inglesas venciam o tédio escrevendo livros como as Irmãs Brontée, a Jane Austen, a Virgínia Woolf ou eram rainhas que mandavam. Foram as primeiras a votar e não tinham tempo para chorumelas libertadoras.

Contra problemas de pais e filhos atente para "Os irmãos Karamazov".

Contra a solidão, a tristeza e a violência, leia Veríssimo, beba Rubem Fonseca, cheire Carpinejar, fume Drummond.

Se acordares um dia sentindo-se um rato, um réptil, um estorvo, um horror, abra o "Metamorfose do Kafka".

Contra a inveja, a mediocridade e a intolerância, use Jorge Luiz Borges. Vargas Llosa é inconteste, vá de Gabriel Garcia Marques.

Se alguém está morrendo deve ler "Memórias póstumas de Brás Cubas", do Machado de Assis. Se alguém está nascendo, guarde para ele os livros do Monteiro Lobato.

Se você está chapado, dormente e perdido, pegue "Alice no país das maravilhas" e acredite que o nonsense extremo já existia muito antes, ou então, siga os caminhos do "On the road", do Kerouac, e deixe a casa paterna. Só não pode querer viajar pelo mundo com dinheiro do papai.

Se a religião for imprescindível abra Maomé, São Paulo, Santo Agostinho ou o Buda. Em pequenas doses e por 10 dias somente.

Contra a “boa vontade” de políticos, leia Maquiavel, contra a paixão, decifre "A divina comédia", do Dante. Ao deitar, tenha sempre à mão as obras do Fernando Pessoa. Mastigue cada poesia aos poucos. Lentamente, como convém ser feito com os gênios e os poetas.

Se quiser conhecer os russos venha com Tolstoi, quer viajar para Paris engula Balzac, quer saber sobre os americanos mastigue Gore Vidal, quer conhecer os gaúchos e o Rio Grande saiba "O tempo e o vento" de cor.

Contra a solidão do agreste e para saber da nossa mulatice, leia Gilberto Freyre. "Moby Dick, a baleia", "Os dois irmãos do Hatoun", "O grande sertão: Veredas" esperam por todos nós. Poesias, biografias, filosofias, histórias e estórias acabam com qualquer dor. Contra a caverna do Platão se encontre na "Odisséia".

Se nada mais der certo, devore "As cidades invisíveis", do Ítalo Calvino.

Ler livros é fazer parte de uma religião e a descoberta da cura total da solidão. Ler não é encontrar respostas e sim aprender a fazer perguntas. Amém.



Carlos Eduardo Florence, eflorence@uol.com.br